O primeiro ano após sua morte foi muito doloroso para todos nós e cada um à sua maneira foi encontrando seu jeito de viver esse luto e voltar a sorrir.
De repente, todos falávamos sobre a dor e sobre o amor que envolveu a trajetória de nossa família.
Eu, por minha vez, decidi escrever.
E por um ano fui lembrando histórias e escrevendo sobre elas. Renasci, no reconhecimento do aprendizado que a vida e a convivência ao lado de meu pai me trouxeram. Renasci não só da perda, mas de toda uma vida.
Após esse período de luto - que para mim durou um ano exato - estava leve, porém esgotada de toda a emoção que o escrever me trouxe. Escrever foi a cura, mas foi também a dor. E dor esgota.
Depois disso, muitas vezes tentei escrever, retomar minhas histórias neste canto. Não consegui e certamente não foi por falta de assunto. Foi um vazio de inspiração. Talvez uma proteção até que eu pudesse estar aqui novamente, inteira.
E cá estou eu de volta, hoje para falar sobre um personagem muito importante na vida de todos lá em casa: Ana Bocardo.
Minhas histórias sempre, de um jeito ou de outro trazem a participação de meu pai. E assim também é agora.
Ana foi namorada de meu pai na adolescência. Não sei como se davam os namoros entre adolescentes naquela época - estou falando dos idos de 1930, lá na pequena Taiaçu onde nossa família morava.
Sei que foram namorados e depois disso foram muito amigos.
Ana faleceu no auge dessa adolescência, depois de uma infecção que tomou conta de seu corpinho de menina-moça. Meu pai dizia que isso aconteceu depois de uma espinha mal cuidada no rosto. Pode ser. Pode ser também que meu pai tenha entendido tudo errado pela pessoa simples que foi, e assim ficou registrado para todos nós. Tudo pode ser. E Ana se foi.
Durante a doença de Ana meu pai esteve sempre presente, agora então como grandes amigos que eram. E Ana despediu-se de meu pai em paz, pedindo que ficasse tranquilo porque estaria bem. Muitas vezes ele nos contou essa história.
O fato é que meu pai era médium e desde criança teve o dom da clarividência. Soube da morte de sua avó antes que a notícia chegasse a seus pais, e dela se despediu antes dos outros.
Não seria diferente agora: recebeu a visita de Ana um tempo depois de sua partida.
Emocionou-se, conversaram, e a partir daquele momento não mais se desgrudaram. Ana passou a ser um anjo da guarda para meu pai e puxava sua orelha a cada passo mal dado. Ela certamente era um espírito já muito evoluído e ajudando meu pai e a família que ele formou sem dúvida brilhou ainda mais.
Durante toda nossa vida, fomos aprendendo a lidar com a presença de Ana entre nós. A princípio duvidando, depois com a certeza de que ela alí estava e nos protegia.
Durante o tempo que meu pai esteve doente, lá estava Ana. Nada falava sobre sua doença. Quando meu pai perguntava, ela lhe fazia um sinal, que esperasse, se acalmasse, assim dizia ele.
E foi dessa forma, com a proteção de Ana e de muitos outros guardiões, que meu pai um dia se foi. Num 20 de abril.
E Ana? não sabemos, mas certamente não nos abandonou por completo.
Um mês depois da morte de meu pai, fui a Taiaçu e levei flores para ela em seu túmulo. Agradeci em nome de toda a nossa família e de meu pai pela companhia e pela proteção. Pela presença em nossa vida. Pelo amparo e também pela felicidade de tê-la conosco.
Continuo fazendo isso em toda a oportunidade que tenho de ir a Taiaçú, e me faz um bem enorme.
Perdoe-me, Ana, por não conseguir expressar melhor aqui todo o amor e a gratidão que temos por você.
Você é um de nossos amores nessa vida e para sempre será assim.
Esteja bem, na luz.
Gratidão.
Para ANA BOCARDO, onde estiver