Quem se encarregou primeiramente de minha orientação religiosa foi minha mãe, católica fervorosa, Filha de Maria quando solteira. Com ela aprendi a dizer minhas orações diárias, a acompanhar as missas; dela ouvi histórias sobre a vida de Jesus, dos apóstolos e dos santos. E quando meu olhar de criança era de dúvida, ela dizia: isso é a fé. Aprendi cedo, então, que quando se tem fé não se tem dúvida nem medo. Assim segui pela vida.
Desde muito pequena e até minha adolescência, tive minha religiosidade abraçada pela igreja do bairro onde morava. Ali assistia as missas de domingo levada pelas mãos de minha mãe e fiz minha Primeira Comunhão. Era uma igreja muito bonita. De construção antiga e misteriosa, tinha os bancos de madeira escura, vários altares laterais, vitrais coloridos. Como a maioria das construções católicas, tinha forma de cruz, abrindo um braço de cada lado do altar e formando espaços mais reservados de oração.
Até que eu descobrisse ali um refúgio para minhas angústias (o que só aconteceu anos mais tarde), aquela meia-luz constante e os sermões do Padre Amaral me assustavam, exigindo de mim uma disciplina difícil.
Padre Amaral era o pároco da igreja e ali morava com sua mãe. Era uma figura de pouco sorriso e muito rigoroso. Resistiu à liberdade do uso do terno em lugar da batina, até quando pôde. Rendeu-se aos novos tempos, finalmente, e descansou as vestes negras sem no entanto deixar de ser sisudo e ranzinza.
Quando precisava ser substituído, vinha Padre Carlos. Moderno, jovem e suave. Chegava de fusca, de terno, sem pressa. Sua fala era sempre doce, serena, boa de ouvir. E naqueles dias a igreja era um lugar mais iluminado e agradável de estar.
Cresci assistindo um sem fim de orações, que completavam terços e rosários nas contas presas aos dedos de minha mãe, de Vovó Marianina e Tia Chiquinha. Angustiantes vias sacras, intermináveis e confusas para a criança que eu era.
Na casa vizinha à nossa moravam Dona Eurídice e Seu Palmiro, pais de João Luiz, que era amigo de meu irmão. Eles eram espíritas, amigos e queridos por nós. Em algumas noites, as portas e janelas da casa ficavam trancadas e lá aconteciam reuniões freqüentadas por pessoas da vizinhança. Nessas noites, eu nem olhava naquela direção, com medo desse universo que era ainda mais assustador para mim. Dona Eurídice era médium poderosa e respeitada.
Minha mãe não aprovava aquelas reuniões, mas respeitava a amiga e não fazia comentários.
Meu pai descobrira-se médium ainda jovem e passou a freqüentar um centro espírita. Da mesma forma, sobre isso não se falava em lá casa.
Quando cheguei à adolescência, decidi que não precisava mais do compromisso da missa semanal. Estava começando a questionar tudo aquilo. Senti que Deus estaria comigo em qualquer lugar, então ouviria sempre minhas orações e Dele eu não precisava ter medo. Passei então a ser uma dessas pessoas que se diz católica não praticante. Estranho, mas é assim que se explica.
Anos se passaram e o perfil de minha família foi mudando. Meu pai havia se tornado um médium de muita força e clarividência. Vários acontecimentos foram nos revelando e comprovando isso. Ele era, no entanto, pessoa simples e por vezes recorria ao meu irmão para esclarecer alguma coisa que vira ou ouvira. Meu irmão tornara-se também espírita.
A curiosidade sobre o assunto foi aos poucos tomando conta de nossas conversas e fomos nos voltando para a espiritualidade, estudando e praticando. Claudia, Glória e eu.
Meu pai manifestou muitas vezes o desejo de que eu desenvolvesse minha mediunidade e trabalhasse com ele. Dizia que eu tinha uma luz muito clara e que seria uma boa médium. Essa bondade que ele via em mim me assustava um pouco, porque se misturava com a admiração que ele tinha por mim e não me dava a real dimensão de quem eu era. Assim, eu resistia.
Um ano antes de meu pai partir, comecei a trabalhar em uma casa de cura espiritual. Ele ficou muito feliz e eu também. Ali reencontrei meu caminho e consegui forças para entender e superar o que viria depois.
Sou hoje uma pessoa mais plena, mas ainda engatinho nesse universo. O tamanho da minha fé tem fundamento nos ensinamentos de minha mãe, nas conversas com meus irmãos, no incentivo de meu pai, no carinho das pessoas que me acolheram e me orientam na casa espiritual que freqüento.
Ontem, fui ver o Dalai Lama e guardei uma frase: “É preciso ter calor no coração”.
Simples assim. E eu tenho fé nisso também.