quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A Paina da Paineira

Vivi minha infância à sombra de uma paineira. Não tinha suas raízes plantadas em nosso terreno, mas era nossa, de toda a vizinhança. Ficava na esquina da rua ao lado, dentro do terreno do velho rabugento, dono da amoreira. Aquela, que era nossa amoreira também.

Nossa paineira crescera forte e na minha infância erguia-se majestosa em direção ao azul do céu. Estava ali há um tempo que não se contava, mas era muito. E ao longo de sua trajetória foi testemunha das vidas que se entrelaçaram por aquelas casas; renovou suas folhas como coadjuvante silenciosa das brincadeiras da criançada; desviou seus galhos dos balões e pipas que por ali subiram; e manteve-se assim, silenciosa e protetora.

Quando criança, olhava para cima e era a árvore mais alta da minha vida!

Tinha lá suas obrigações: registrava as estações do ano, com precisão. Trocava suas folhas no outono, florescia na primavera, depois dava frutos lindos que se abriam em bolas de paina de encher os olhos.

Nosso quintal era também marcado pelas fases da paineira. Enchia-se de folhas, depois de flores. E, quando chegava o tempo da paina, o vento se encarregava de também levá-la ao alcance de nossas mãos.

Aquele renovar era lindo de ver, mas fazia minha mãe recolher folhas, flores e paina o ano inteiro, num varrer de quintal sem fim.

O fruto da paineira me lembrava um abacate e isso era um pouco confuso para minha imaginação de criança. Com o tempo, a casca tornava-se seca e abria-se expondo o algodão que vestia a árvore de branco. Assim, ela mudava também de cor ao longo do ano: verde, quando só folhas; rosa quando florida; e branca, por fim.

As bolas de paina voavam pelo nosso quintal e nossa alegria era correr atrás delas. Dentro do algodão escondia-se uma sementinha preta, macia, saboreada por nós como uma iguaria rara.

Muitas vezes fiquei deitada no chão do quintal com o olhar perdido entre aqueles galhos, pensando em nada. Sempre fui assim, nostálgica, suspirando meus sonhos.

Ah, quem me dera agora um momento assim ... um fazer nada, esperando o manifestar das estações.

Não sei dizer se a paineira ainda está lá. Espero que sim.

Não sei quantos prestaram atenção nela e quantas vidas ela tocou. Espero que todas.

Sei que ela é uma lembrança boa, doce e colorida, que tornou minha infância melhor de viver.



Um comentário:

  1. Lindo texto! Aqui temos duas majestosas paineiras que percorrem gerações.Parabéns!

    ResponderExcluir