Meu pai era um dos seis filhos de minha avó Rosinha e meu avô Silvério. Convivi muito pouco com eles, porque logo nos deixaram. De minha avó tenho a lembrança de uma espanhola de pele morena, magrinha e delicada. Meu avô se foi quando eu tinha apenas dois anos e de seu rosto sei apenas por fotos. Dizem que ele era conhecido por ser o maior “contador de causos” da cidade, sempre com uma história nova na ponta da língua. Reunia as pessoas a sua volta e narrava o acontecido do dia, no qual ele era quase sempre o protagonista e em todos era o herói. Tudo repleto de muita criatividade e exagero.
Meu pai herdou dele essa verve. Foi dele que ouvimos muitas vezes os detalhes sobre o dia de seu casamento e que agora tenho a ousadia de narrar.
Depois do episódio do Grão de Filipe, meus pais cumpriram todas as etapas que as pessoas de família da cidade deviam respeitar: um namoro nem tão curto nem tão longo, noivado e casamento. A data escolhida para a boda foi oito de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição.
Naquela manhã a cidade acordou em festa, envolvida nos últimos preparativos. Vestidos novos saindo dos cabides, ternos, camisas, chapéus, sapatos impecáveis, tudo especialmente escolhido para o dia. Na casa da noiva, tudo isso somado à correria na cozinha pelos comes e bebes que seriam servidos depois da cerimônia.
A igreja foi sendo ocupada aos poucos pelos convidados. Meu pai chegou acompanhado de meus avós e de meus tios e todos se posicionaram a espera da noiva que, como de praxe, é sempre a última a chegar.
Meu pai havia percorrido um longo caminho até aquele momento e agora poucos minutos o separavam de seu sonho. A ansiedade, que era parte integrante de sua personalidade, só fazia aumentar. Aos poucos, foi se tornando incontrolável e passou a comprometer o entendimento dos fatos que se seguiram.
Segundo ele, uma chuva torrencial caia naquela manhã, lavava as casas e árvores, transformava em lama a terra das ruas da pequena Taiaçú.
Não se sabe de fato se minha mãe atrasou. Muito provavelmente meu pai chegou bem antes do horário marcado, como era seu costume, e foi sendo torturado pela água da chuva enquanto esperava. Aquela visão da praça encharcada e os ponteiros do relógio que giravam e giravam arrastando o tempo foram consumindo o coração do noivo e deram a ele a certeza de ter sido abandonado no altar. A chegada da notícia de que o carro que traria a noiva não conseguia subir a rua de lama escorregadia veio com meu avô Sinhô, que entrou encharcado igreja adentro, e apenas confirmou o que o coração de meu pai já pressentira: ela não viria!
Meu pai antevia toda a tristeza que tomaria conta de seus dias, abandonado que já estava, e vislumbrava a porta dos fundos da igreja como a saída estratégica para escapar da vergonha diante de todos.
Meu pai antevia toda a tristeza que tomaria conta de seus dias, abandonado que já estava, e vislumbrava a porta dos fundos da igreja como a saída estratégica para escapar da vergonha diante de todos.
E era esse o cenário aos olhos de meu pai quando o padre olhou para ele e fez um gesto qualquer, certamente de conforto, traduzido por sua visão distorcida como: e agora?
A resposta veio firme e carregada da angústia que corroia o juízo do noivo: toca a missa!
Impossível traduzir aqui a expressão de meu pai ao contar essa história, como se revivesse aqueles momentos. Como se ainda agora minha mãe não fosse chegar e a razão de seu desespero naquela manhã fosse indiscutível.
Essa frase marcou a nossa vida e virou o símbolo da impaciência de meu pai. Era o que transformava nossas discussões em risadas e muitas vezes colocava nelas um fim.
Minha mãe apenas ouvia a história, repetida por ele inúmeras vezes ao longo dos anos. Quando pedíamos a ela que nos contasse como foi, ela dizia: não me lembro de nada disso. Choveu, Luiz?