sábado, 31 de dezembro de 2011

Receita de Ano Novo

Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
Cor do arco-iris ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação 
com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
Para você ganhar um ano novo
Não apenas pintado de novo, 
remendado às carreiras,
Mas novo nas sementinhas do vir-a-ser
Novo até no coração das coisas menos percebidas 
(a começar pelo seu interior)
Novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota
Mas com ele se come, se passeia,
Se ama, se compreende, se trabalha,
Você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita
Não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? Passa telegramas?)

Não precisa fazer lista de boas intenções
Para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
Pelas besteiras consumadas
Nem parvamente acreditar
Que por decreto de esperança
A partir de janeiro as coisas mudem
E seja tudo claridade, recompensa,
Justiça entre os homens e as nações,
Liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
Direitos respeitados, começando pelo
direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo,
Que mereça este nome,
Você, meu caro, tem de merecê-lo,
Tem de fazê-lo novo.
Eu sei que não é fácil,
Mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
Cochila e espera desde sempre.


Muito feliz Ano Novo, em todos os cantinhos desse Universo



domingo, 25 de dezembro de 2011

Natais da minha infância

Não sei dizer quem me acordou do sonho do Papai Noel. Sei que um dia vi minha mãe chegar tentando esconder um presente e sabia que era meu. E fingi que não vi, para que ela pudesse sentir-se feliz com a surpresa. De qualquer forma, já era meu e estaria embaixo de nossa árvore na manhã de Natal. 
O Papai Noel morava lá em casa!

O presente era um carrinho de boneca bem bonitinho, comprado no bazar de Dona Leonor. Aquele bazar abasteceu nossa casa por muito tempo. Eram presentes, brinquedos, tecidos, novelos de lã, artigos de armarinho usados por meu pai. Durante minha infância entrei e sai daquele lugar sempre cheio de novidades, sem saber que na minha adolescência entraria naquela família quase para sempre - história que um dia eu conto.

Os dias de Natal da minha infância eram cheios de encantamento, de alegria, família inteira reunida, mesa farta. Como deve ser sempre o Natal. E como fica registrado na memória das crianças.

Lá em casa, os enfeites saiam das caixas onde dormiam durante o ano e iam para a árvore montada na sala. Não era uma árvore muito grande e os enfeites eram quase sempre os mesmos, mas era imprescindível que ela estivesse ali. Marcava o início dos planos para o fim de ano que se aproximava.

Na casa de vovó Marianina e vovô Sinhô, onde nosso Natal acontecia, as árvores eram sempre diferentes a cada ano. Tenho lembrança de árvores tradicionais, mas me lembro também de galhos prateados sustentando os enfeites coloridos cuidadosamente arranjados pelas mãos de Tia Maria e Tia Magda. De todas, a árvore inesquecível da minha infância foi uma surpresa e uma alegria para toda a criançada: tinha todos os enfeites de chocolate. Figuras natalinas embrulhadas em papéis coloridos. Dá pra não ser a melhor árvore do mundo?

Mais bonito do que qualquer árvore, havia o presépio. Eu amava aquele presépio e ficava muito tempo descobrindo os detalhes novos do ano. Os caminhos desenhados na serragem colorida, o laguinho de espelho, os animais. Minha imaginação viajava naquelas imagens e eu me sentia parte dele. Lembro perfeitamente das ovelhinhas, cada uma delas virada para um lado diferente. Eram lindas.

Presépios até hoje me encantam muito.

Tia Chiquinha comprava presentes para todos e fazia discursos emocionados. As crianças corriam por todos os lados. Os adultos bebiam e comiam, riam alto.

Além de nossa família, os amigos de meu primo Caio também faziam parte da festa. Invadiam a casa e ficavam por lá muito tempo. Vinham também os vizinhos. Os mais íntimos iam ficando, outros davam apenas uma passadinha para os cumprimentos. Era um entra e sai de gente sem fim.

Na minha infância, nossa família estava sempre reunida e a casa de meus avós estava sempre em festa. 

Muita coisa mudou desde aquele tempo, algumas pessoas partiram, outras chegaram. Os dias de Natal não poderiam mais ser iguais, mas continuam sendo reuniões deliciosas.

Neste Natal em especial minha família inteira ficou mais unida, ligada pela dor das perdas que sofremos, mas principalmente pelo amor que sempre existiu entre nós e que mostrou-se mais intenso que nunca.

O Natal termina e deixa um doce sabor de paz. Sinto saudade, mas estou feliz!


sábado, 24 de dezembro de 2011

Feliz Natal

Recordando bons momentos ... Feliz Natal!!


Noite feliz, noite feliz
Ó Senhor, Deus de amor
Pobrezinho nasceu em Belém
Eis na lapa Jesus, nosso bem
Dorme em paz, ó Jesus
Dorme em paz, ó Jesus


Noite feliz, noite feliz
Ó Jesus, Deus da luz
Quão afável é teu coração
Que quiseste nascer nosso irmão
E a nós todos salvar
E a nós todos salvar

Noite feliz, noite feliz
Eis que no ar vem cantar
Aos pastores, seus anjos no céu
Anunciando a chegada de Deus
De Jesus salvador
De Jesus salvador


terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Peixe Vivo

A delícia de ser criança, para sempre criança ... 

Como pode o peixe vivo
Viver fora da água fria
Como pode o peixe vivo
Viver fora da água fria

Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia

Os pastores desta aldeia
Já me fazem zombaria
Por me verem assim chorando
Sem a tua companhia

Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Oito de dezembro

Todos os anos nós comemoramos o dia oito de dezembro lá em casa. Aniversário de casamento de meus pais.
Meu pai sempre se lembrou da data e nunca deixou de entregar à minha mãe uma flor. Não deixava também que nenhum de nós esquecesse disso. Logo cedo já nos telefonava dizendo: está lembrando que dia é hoje?
Meu pai gostava de rosas brancas, simbolizavam para ele o anjo da guarda. E quando estávamos tristes ou preocupados com alguma coisa nos dizia para conversar com a rosa e pedir a ela proteção.
Este ano passou rápido e logo nos trouxe dezembro e todas as suas lembranças. Conforme a data foi se aproximando, foi crescendo em mim uma grande angústia. Chorei, senti medo. Medo da dor e da minha impotência diante dela.
Queria abraçar toda a minha família, protegê-la. Queria que minha mãe ficasse bem e não sofresse nunca mais.
Dezembro, mês também do meu aniversário e do Natal.
Olho para trás e vejo laços que se partiram, ausências. Sinto saudade. Fico triste. Ainda assim, não gosto que digam que foi um ano difícil para mim. Foi apenas mais um ano, respondo.
Dezembro chegou, inexoravelmente.
E quando tudo parecia caminhar em direção à melancolia de um dezembro lento, uma centelha divina manifestou-se entre nós, mostrou-se viva, presente.
E nosso universo transformou-se em luz!
Tudo ganhou outro significado e veio rápido a compreensão das missões que se encerram e das que iniciam. A benção de uma nova existência, trazendo de volta o riso frouxo da alegria, as lágrimas de felicidade, a emoção de assistir a vida se renovando.
Ano que vem, teremos novidade. Chegará em julho, trazendo acalanto aos nossos corações.
Uma nova geração está sendo inaugurada em nossa família. Parabéns, Joana e Ingo!
Estamos felizes de novo, finalmente.





sábado, 3 de dezembro de 2011

Tio Rui

Uma homenagem ao meu padrinho, Tio Rui, que nos deixou há pouco tempo e que também ajudou a construir a minha história. 
Texto escolhido por meus primos, dentre os muitos escritos por ele.



domingo, 20 de novembro de 2011

O Meu Galinho


Gratidão!


Há três noites que eu não durmo, ola rá !
Pois perdi o meu galinho, ola rá !
Coitadinho, ola rá ! Pobrezinho, ola rá !
Eu perdi lá no jardim.


Ele é branco e amarelo, ola rá !
Tem a crista vermelhinha, ola rá !
Bate as asas, ola rá ! Abre o bico, ola rá !
Ele faz qui-ri-qui-qui.


Já rodei em Mato Grosso, ola rá !
Amazonas e Pará, ola rá !
Encontrei, ola rá ! Meu galinho, ola rá !
No sertão do Ceará !



sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Seu Sinhô

Nos últimos dias, tenho pensando muito em Vovô Sinhô. Sua imagem e muitas lembranças têm me acompanhado, entram em meus sonhos, adormecem e acordam comigo. Ainda assim, é difícil encontrar palavras que traduzam o que ele representou na vida de minha família e isso deixou o texto girando em meus pensamentos sem que eu conseguisse coragem para começar.

Meu avô Sinhô nasceu Guilhermino. O que levou ao apelido é pesquisa que ainda não fiz. Não perguntei a ele e agora quem poderá me responder com segurança? Apelidos muitas vezes ninguém explica, só vão acompanhando a pessoa pela vida.

Enfim, o que importa é que é doce, ao mesmo tempo em que sugere admiração. E assim era meu avô.

Meu avô era descendente de portugueses, nasceu em Lambari, em Minas Gerais. Isso complica ainda mais minhas origens, misturando espanhóis, italianos, portugueses e mineiros. Acho graça. Acho também bastante confuso.

Casou-se com minha avó Marianina quando já morava em Taiaçu - cidade onde todos nós nascemos. E ali viu crescer suas quatro filhas. Morou, portanto, a maior parte de sua vida cercado de mulheres: minha avó, a cunhada - que sempre morou com eles e as filhas. E saiu-se muito bem nessa empreitada. Em todos os momentos, sua família estava em primeiro lugar e protegia cada um de nós em qualquer situação..

De fala mansa e extremamente educado, impunha suas idéias usando pouquíssimas palavras. Bastava sua presença, seu olhar.

E com esse perfil, envolvia-se na política da cidade e vivia cercado de amigos.

Homem bonito, magro, alto para a época. Elegante mesmo. Até o fim da vida usou terno e chapéu.

Meu avô era o modelo de companheiro por quem hoje as mulheres suspiram, e procuram sem encontrar.  Amou minha avó, a ela foi fiel e dela cuidou até o fim. Despediu-se dela com um beijo nos lábios e os olhos cheios de lágrimas. Sem desespero, num gesto silencioso que carregou o ambiente de amor e de emoção. 


Nunca me esqueci disso. E desejei ter para mim um companheiro assim.

Meu avô era funcionário da Prefeitura de Taiaçu, mas era também marceneiro. Naquela época, os moços “aprendiam um ofício” para lhes assegurar estabilidade em momentos incertos. E ele trabalhava a madeira com perfeição.

Com seu jeito quieto e carinhoso, tinha sempre um presente para os netos, feito com suas próprias mãos. Em especial, um boneco preso a hastes de madeira, que fazia piruetas. E caleidoscópios!

Quem teve um avô que fazia caleidoscópios? Eu tive. E passava muito tempo girando e admirando as imagens que se formavam com o movimento dos vidrinhos coloridos que moravam lá dentro.

Onde foram parar os caleidoscópios da minha infãncia?

Moram agora apenas na minha lembrança, mas ainda são capazes de me arrancar suspiros e me fazer sentir amada e única.

Saudade de você, vovô. 


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Ser Seu Amigo

De Vinicius de Moraes, recebido de uma pessoa muito querida

Se eu morrer antes de você, faça-me um favor: chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por ele ter me levado. Se não quiser chorar, não chore. Se não conseguir chorar, não se preocupe. Se tiver vontade de rir, ria. Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão. Se me elogiarem demais, corrija o exagero. Se me criticarem demais, defenda-me. Se me quiserem fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam. Se me quiserem fazer um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo. Se falarem mais de mim do que de Jesus Cristo, chame a atenção deles. Se sentir saudade e quiser falar comigo, fale com Jesus e onde estiver. E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase: “Foi meu amigo, acreditou em mim e me quis mais perto de Deus!” Aí, então derrame uma lágrima. Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal. Outros amigos farão isso no meu lugar. E, vendo-me bem substituído, irei cuidar da minha nova tarefa no céu. Mas, de vez em quando, dê uma espiadinha na direção de Deus. Você não me verá, mas eu ficaria muito feliz vendo você olhar para Ele. Você acredita nessas coisas? Sim??? Então, ore para que nós dois vivamos como quem sabe que vai morrer um dia, e que morramos como quem soube viver direito. Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo. Eu não vou estranhar o céu ... sabe porque? Porque ... ser seu amigo já é um pedaço dele!

sábado, 22 de outubro de 2011

Cheiro de saudade

Esses dias andei falando sobre saudade. E ficou em mim um suspiro.

Nem sempre é saudade, mas é a palavra que primeiro salta quando meus pensamentos me suspendem no ar. Porque não é possível sentir saudade do que não se viveu, mas é assim que parece muitas vezes. Talvez seja saudade de sonhos que sonhei, que de tanto sonhar confundiram-se com minhas histórias.

Sinto saudade da minha infância, das minhas amigas Sandrinha e Alice. Sinto falta dos pés descalços, dos amigos, de meus primos, do cheiro de fogueira nas festas de junho, de brinquedo novo. Sinto falta das possibilidades todas que estavam lá na frente. 

Na minha adolescência, costumava caminhar com minha amiga Roseli. E falávamos da vida, de paixões, de angústias, de felicidade. Falávamos de como seríamos. Saíamos em grupo e com nossos namorados que eram também amigos. Sinto saudade daquelas pessoas todas, que me faziam sentir em um mundo particular.

Lembro dos amigos de escola. Sinto falta do nosso grupinho, das confidências, dos planos. Das meninas: Cidinha, Denise, Nádia, Nina, Silvana, Marcinha, Rosangela, Selma. Dos meninos: Walmir, Israel, Gilmar, Herculano, Marcelo, Nilson.

Saudade dos amigos de meu irmão, que eram também meus. Vanderley, Edson, Edgar, Fábio, Farisco, Ademir, João Luiz, Flávio.

Saudade dos tempos de faculdade. Da névoa que cobria o prédio nas manhãs de inverno. Da torrada completa na cantina. Saudade das aulas práticas, de correr na pista, de treinar na piscina, das aulas da Professora Maria junto com os meninos. Saudade de dançar. Saudade do início da minha amizade com Valerie, Jô, Jussara, Ciça.

Lembrança do cheiro de novo do meu apartamento. Vida nova, novos sonhos.

Saudade de brincar de tubarão com Mariana na Ilha Bela. Saudade da primeira vez que vi cada um dos meus sobrinhos e dos almoços de domingo na casa de meus pais, família toda reunida.


Saudade dos amigos que ganhei para sempre: Rose e Alfredo. Do afilhado lindo que me deram e que nos tornou uma família.

Saudade do meu cachorro, Sherlock.

Saudade de quando comecei a trabalhar na Reitoria. A Universidade era a casa de cada um de nós e nos recebia sempre como alguém especial. Acolhedora, planejando ainda ficar madura.  Ali cabiam pessoas que se queriam bem, que festejavam, que gostavam de estar juntas. Amizades ainda hoje alimentadas para que nunca se acabem.

Saudade de todas as viagens que fiz, de gargalhar com Liliana, de sempre ter sobre o que falar. Saudade das areias que pisei, dos perfumes novos.

Saudade do Bamba, de acampar, de comer salmão no Chile e da neve na Austria. Saudade de conversar horas na cozinha, de morrer de rir, de filosofar.

Saudade da Bambina filhote, dos arranhões, das brincadeiras, do olhar.

Saudade é felicidade e tristeza, mas é sempre boa, é vida.

Saudade de meu pai. Saudade da menina que morou em mim.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Alecrim Dourado

Porque hoje é dia de encher o céu de música ...

Alecrim, alecrim dourado
Que nasceu no campo sem ser semeado

Foi meu amor
Quem me disse assim
Que a flor do campo é o alecrim

Alecrim, alecrim aos feixes
Meu amor não deixe de gostar de mim

Foi meu amor
Quem me disse assim
Que a flor do campo é o alecrim

Alecrim, alecrim aos molhos
Por amor de ti
Choram os meus olhos

Foi meu amor
Quem me disse assim
Que a flor do campo é o alecrim

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Felizes Aniversários

Com meus pais aprendi que dia de aniversário é coisa para ser comemorada.  Dia importante, especial, com direito a carinhos e homenagens. E sempre foi assim lá em casa.

Nem sempre houve festa, mas sempre teve bolo, parabéns e abraços. Sempre!

Cresci acreditando que era essa a regra para todas as famílias do mundo. Pessoas reunidas, bolo e velinhas – ainda que apenas isso. Com o tempo fui percebendo que para alguns bastava a lembrança, se possível um abraço. Dispensáveis o “parabéns a você” e demais acompanhamentos.

Passei, então, a valorizar esses momentos em família e me emocionar com eles.

Lembro de um dia chegar em casa depois da escola e encontrar Vovó Marianina às voltas com os preparativos de muitas delícias para mim. Era meu aniversário e sobre a mesa havia uma infinidade de gostosuras: empadinhas a caminho do forno; cheiros que brotavam das panelas; bolo, docinhos.

Eu havia chegado com uma amiga, Magda, e ela ficou no portão me esperando voltar. E esperou até cansar, e desistiu de esperar. Surpresa com a casa cheia de gente e de movimento; tão feliz, inebriada com os aromas e o carinho, me esqueci de tudo. Quando me dei conta, corri para a casa dela e pedi desculpas. Voltamos juntas para apreciar tudo aquilo, felizes e ainda amigas.

Muitos outros aniversários foram bem mais simples, mas também valiosos.

Como o dia que cheguei em casa depois de um domingo de trabalho, tarde da noite e muito cansada. Encontrei um bolo de chocolate deixado por minha irmã Glória na portaria do prédio. Aquele bolo veio carregado de todos os abraços e beijos que eu não havia recebido durante aquele dia, me acarinhou e me fez muito feliz. Nunca me esqueci dele e muito menos do gesto.

Nesses anos que já vivi, em todos assoprei velinhas. Organizei festas para pessoas especiais. Fui surpreendida e surpreendi.

Guardo boas lembranças.

Hoje meu pai faria 87 anos e esse texto escrevo em sua homenagem. Depois da missa que rezamos por ele nos reunimos para o bolo, que não poderia faltar.

Lá onde ele está agora, certamente abriu um sorriso e ficou feliz.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O cravo brigou com a rosa

Para alegrar, fazer sorrir


O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido
E a rosa despedaçada

O cravo ficou doente
E a rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
E a rosa pôs-se a chorar

A rosa fez serenata
O cravo foi espiar
E as flores fizeram festa
Porque eles vão se casar


domingo, 18 de setembro de 2011

O Caminhar da Minha Fé

Quem se encarregou primeiramente de minha orientação religiosa foi minha mãe, católica fervorosa, Filha de Maria quando solteira. Com ela aprendi a dizer minhas orações diárias, a acompanhar as missas; dela ouvi histórias sobre a vida de Jesus, dos apóstolos e dos santos. E quando meu olhar de criança era de dúvida, ela dizia: isso é a fé. Aprendi cedo, então, que quando se tem fé não se tem dúvida nem medo. Assim segui pela vida.

Desde muito pequena e até minha adolescência, tive minha religiosidade abraçada pela igreja do bairro onde morava. Ali assistia as missas de domingo levada pelas mãos de minha mãe e fiz minha Primeira Comunhão. Era uma igreja muito bonita. De construção antiga e misteriosa, tinha os bancos de madeira escura, vários altares laterais, vitrais coloridos. Como a maioria das construções católicas, tinha forma de cruz, abrindo um braço de cada lado do altar e formando espaços mais reservados de oração.

Até que eu descobrisse ali um refúgio para minhas angústias (o que só aconteceu anos mais tarde), aquela meia-luz constante e os sermões do Padre Amaral me assustavam, exigindo de mim uma disciplina difícil.

Padre Amaral era o pároco da igreja e ali morava com sua mãe. Era uma figura de pouco sorriso e muito rigoroso. Resistiu à liberdade do uso do terno em lugar da batina, até quando pôde. Rendeu-se aos novos tempos, finalmente, e descansou as vestes negras sem no entanto deixar de ser sisudo e ranzinza.

Quando precisava ser substituído, vinha Padre Carlos. Moderno, jovem e suave. Chegava de fusca, de terno, sem pressa. Sua fala era sempre doce, serena, boa de ouvir. E naqueles dias a igreja era um lugar mais iluminado e agradável de estar.

Cresci assistindo um sem fim de orações, que completavam terços e rosários nas contas presas aos dedos de minha mãe, de Vovó Marianina e Tia Chiquinha. Angustiantes vias sacras, intermináveis e confusas para a criança que eu era.

Na casa vizinha à nossa moravam Dona Eurídice e Seu Palmiro, pais de João Luiz, que era amigo de meu irmão. Eles eram espíritas, amigos e queridos por nós. Em algumas noites, as portas e janelas da casa ficavam trancadas e lá aconteciam reuniões freqüentadas por pessoas da vizinhança. Nessas noites, eu nem olhava naquela direção, com medo desse universo que era ainda mais assustador para mim. Dona Eurídice era médium poderosa e respeitada.

Minha mãe não aprovava aquelas reuniões, mas respeitava a amiga e não fazia comentários.

Meu pai descobrira-se médium ainda jovem e passou a freqüentar um centro espírita. Da mesma forma, sobre isso não se falava em lá casa.

Quando cheguei à adolescência, decidi que não precisava mais do compromisso da missa semanal. Estava começando a questionar tudo aquilo. Senti que Deus estaria comigo em qualquer lugar, então ouviria sempre minhas orações e Dele eu não precisava ter medo. Passei então a ser uma dessas pessoas que se diz católica não praticante. Estranho, mas é assim que se explica.

Anos se passaram e o perfil de minha família foi mudando. Meu pai havia se tornado um médium de muita força e clarividência. Vários acontecimentos foram nos revelando e comprovando isso.  Ele era, no entanto, pessoa simples e por vezes recorria ao meu irmão para esclarecer alguma coisa que vira ou ouvira. Meu irmão tornara-se também espírita.

A curiosidade sobre o assunto foi aos poucos tomando conta de nossas conversas e fomos nos voltando para a espiritualidade, estudando e praticando. Claudia, Glória e eu.

Meu pai manifestou muitas vezes o desejo de que eu desenvolvesse minha mediunidade e trabalhasse com ele. Dizia que eu tinha uma luz muito clara e que seria uma boa médium. Essa bondade que ele via em mim me assustava um pouco, porque se misturava com a admiração que ele tinha por mim e não me dava a real dimensão de quem eu era. Assim, eu resistia.

Um ano antes de meu pai partir, comecei a trabalhar em uma casa de cura espiritual. Ele ficou muito feliz e eu também. Ali reencontrei meu caminho e consegui forças para entender e superar o que viria depois.

Sou hoje uma pessoa mais plena, mas ainda engatinho nesse universo. O tamanho da minha fé tem fundamento nos ensinamentos de minha mãe, nas conversas com meus irmãos, no incentivo de meu pai, no carinho das pessoas que me acolheram e me orientam na casa espiritual que freqüento.

Ontem, fui ver o Dalai Lama e guardei uma frase: “É preciso ter calor no coração”.

Simples assim. E eu tenho fé nisso também.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A Paina da Paineira

Vivi minha infância à sombra de uma paineira. Não tinha suas raízes plantadas em nosso terreno, mas era nossa, de toda a vizinhança. Ficava na esquina da rua ao lado, dentro do terreno do velho rabugento, dono da amoreira. Aquela, que era nossa amoreira também.

Nossa paineira crescera forte e na minha infância erguia-se majestosa em direção ao azul do céu. Estava ali há um tempo que não se contava, mas era muito. E ao longo de sua trajetória foi testemunha das vidas que se entrelaçaram por aquelas casas; renovou suas folhas como coadjuvante silenciosa das brincadeiras da criançada; desviou seus galhos dos balões e pipas que por ali subiram; e manteve-se assim, silenciosa e protetora.

Quando criança, olhava para cima e era a árvore mais alta da minha vida!

Tinha lá suas obrigações: registrava as estações do ano, com precisão. Trocava suas folhas no outono, florescia na primavera, depois dava frutos lindos que se abriam em bolas de paina de encher os olhos.

Nosso quintal era também marcado pelas fases da paineira. Enchia-se de folhas, depois de flores. E, quando chegava o tempo da paina, o vento se encarregava de também levá-la ao alcance de nossas mãos.

Aquele renovar era lindo de ver, mas fazia minha mãe recolher folhas, flores e paina o ano inteiro, num varrer de quintal sem fim.

O fruto da paineira me lembrava um abacate e isso era um pouco confuso para minha imaginação de criança. Com o tempo, a casca tornava-se seca e abria-se expondo o algodão que vestia a árvore de branco. Assim, ela mudava também de cor ao longo do ano: verde, quando só folhas; rosa quando florida; e branca, por fim.

As bolas de paina voavam pelo nosso quintal e nossa alegria era correr atrás delas. Dentro do algodão escondia-se uma sementinha preta, macia, saboreada por nós como uma iguaria rara.

Muitas vezes fiquei deitada no chão do quintal com o olhar perdido entre aqueles galhos, pensando em nada. Sempre fui assim, nostálgica, suspirando meus sonhos.

Ah, quem me dera agora um momento assim ... um fazer nada, esperando o manifestar das estações.

Não sei dizer se a paineira ainda está lá. Espero que sim.

Não sei quantos prestaram atenção nela e quantas vidas ela tocou. Espero que todas.

Sei que ela é uma lembrança boa, doce e colorida, que tornou minha infância melhor de viver.



sábado, 20 de agosto de 2011

Terezinha de Jesus

Para fazer voar a imaginação, em direção a tempos doces ...


Terezinha de Jesus de uma queda
Foi ao chão
Acudiram três cavalheiros
Todos três chapéu na mão

O primeiro foi seu pai
O segundo seu irmão
O terceiro foi aquele
Que a Tereza deu a mão

Terezinha levantou-se
Levantou-se lá do chão
E sorrindo disse ao noivo
Eu te dou meu coração

Tanta laranja madura
Tanto limão pelo chão
Tanto sangue derramado
Dentro do meu coração

Da laranja quero um gomo
Do limão quero um pedaço
Da menina mais bonita
Quero um beijo e um abraço


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sementes Plantadas


Quando meus avós paternos decidiram se casar, certamente não imaginaram todas as vidas e histórias que decorreriam dessa união. Levavam na bagagem os mesmos sonhos de tantos casais de imigrantes apaixonados. Jovens que escolheram essa terra e nela fincaram suas raízes.


Meu avô Silvério era um italiano contador de histórias, cheio de imaginação. Como contraponto, minha avó Rosinha era uma espanhola pequena e delicada. 

Meu avô, entre muitas outras empreitadas, foi dono da jardineira que fazia a linha Pirangi – Jaboticabal. Essas idas e vindas por aquele trajeto e os passageiros diários rendiam muitas historias para contar nos finais daquelas tardes. Como a cobra avistada por ele na estrada para Jaboticabal, que de tão grande ainda não havia terminado a travessia quando a jardineira de meu avô retornou muito tempo depois na direção de Pirangi. Exemplo dos exageros daquele italiano, que se divertia assim.

Minha avó era moça bonita, refinada, elegante e também dona de grandes dotes culinários. Tinha sempre a casa cheia de amigas na juventude e com elas frequentava os bailes e as festas da região. Dos moços bonitos que rodeavam aquele grupo, escolheu meu avô e com ele se casou.

Tiveram seis filhos: José, Luiz (meu pai), Seraphina, Paschoal, João e Salvador. Seus filhos lhes deram netos. Tivessem eles vivido mais e veriam hoje seus bisnetos e tataranetos.

Meu avô morreu quando eu tinha apenas dois anos. Não me lembro dele, mas sei que fui exibida em seu colo na praça de Taiaçu aos três meses de minha vida. Gosto dessa história.

De minha avó tenho mais lembranças. Era tão miúda. Pele morena de espanhola, dona de um olhar carinhoso e delicado. Quando ela se foi, vi meu pai chorar muito e várias vezes. Em meu coração de menina, só cabia a dor pelo sentimento de meu pai, somada à minha impotência diante daquele vazio que ele estava sentindo.

Cresci vendo crescer em mim um grande carinho e afeto pelo lado paterno de minha família.

Meu Tio Paschoal me deu três primos: Aida, Silvério e Fernando. De minha Tia Seraphina ganhei Maria do Carmo e João Carlos. E de meu Tio João vieram Suely e Ivan.  Meus tios José e Salvador não se casaram nem tiveram filhos.

Existem entre todos nós laços de um amor imenso, que me emocionam sempre.

Hoje, todos os filhos de meus avós se foram. Deixaram aqui as pessoas que se uniram a eles, como uma missão cumprida: Mercedes, minha mãe; Maria, esposa de meu Tio Paschoal; Ana, esposa de meu Tio João; e Ângelo, marido de minha Tia Seraphina.

Ficamos nós também: filhos, netos e bisnetos. E um imenso vazio.

O último a partir foi meu pai, muito recentemente. E quando ele se foi, uma amiga estava explicando à sua netinha, curiosa com o movimento estranho do dia, que meu pai havia ficado doente e que agora estava no céu.

A menina respondeu: não, vovó. Ele está no colo da mãe dele.


E foi assim que soubemos que meus avós reuniram todos os seus filhos novamente, em um lugar distante, pacientemente cuidado por eles.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O Amor Antigo

De Carlos Drummond de Andrade

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.


Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o amor antigo, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.