Havia no quintal de nosso vizinho um pé de amoras. Na minha lembrança, sempre carregado de frutos pretinhos e saborosos.
Nossa casa era nivelada com a rua e as que nos rodeavam seguiam o declive do terreno. Isso nos deixava num nível mais alto e nos dava uma visão privilegiada de todos os outros quintais. Entre outras coisas, colocava a copa da amoreira do vizinho ao alcance de nossas mãos.
O dono da amoreira era um senhor, já avô, que havia construído no terreno várias casas, onde moravam seus filhos com suas famílias. Ele morava sozinho em uma dessas casas, já bem velha, com um pequeno quintal fechado de todos os lados. Num desses lados estava o muro do nosso quintal.
A amoreira vivia carregada e o chão forrado dos frutos já maduros, que caiam e estouravam, apodrecendo. Parecia que ninguém, além de nós, ligava para ela. Ficava ali esquecida, dando amoras para ninguém. Ou quase isso.
Como ignorar aquelas delícias? Impossível. O empenho em apanhar as amoras era, então, de toda a nossa família. Às vezes, éramos surpreendidos pelo vizinho, com um vozeirão: estão gostando? Vergonha geral. Logo passava e estávamos nós pendurados no muro de novo.
Claro que minha mãe não seria cúmplice dessa façanha se o vizinho fosse uma pessoa mais acessível. Veja bem: poderíamos ajudá-lo a apanhar as amoras mais altas e todos seríamos felizes.
Não. Aquele senhor era um velho muito mal humorado, que preferia ver as pobres amorinhas pretejando o chão do quintal!
Então, subíamos numa cadeira e íamos puxando os galhos da copa da árvore e colhendo as gostosuras. Meu avô, muito mais simpático que o vizinho, havia colocado uma lata na ponta de um cabo de vassoura e assim tínhamos acesso às amoras mais distantes. O metal rompia os cabinhos frágeis das amoras e elas iam caindo na lata. Simplesmente perfeito! e, nesses dias, enchíamos canecas de amoras, que viravam suco ou simplesmente estalavam na boca, tingindo nossos dentes de roxo.
Nunca mais comi amoras como aquelas.
Hoje, quando ouço falar de amoras, meu pensamento viaja de volta ao nosso quintal, cheio de saudade daqueles tempos.
Fechei meus olhos e pude ver o quintal de sua infância...lindo!!!
ResponderExcluirSó faltou falar do preço a pagar pelas amoras: as terríveis taturanas.
ResponderExcluirBeijo.