sexta-feira, 20 de maio de 2011

Entre Pipas e Piões

Isso não tinha lá muita graça.
Eu brincava de bonecas, fazia comidinhas, tinha uma casinha com móveis feitos pelo vizinho marceneiro, é verdade. Mas também queria soltar pipa, correr descalça pelas ruas, jogar bola, andar de carrinho de rolimã e de bicicleta. E passei minha infância assim.
Estava quase sempre sem sapatos, o que deixava minha mãe desesperada. Ao fim do dia, voltava para casa com o cabelo desalinhado, as roupas sujas de terra, feliz da vida.
Apesar dessa “falta de modos”, falava baixo e obedecia as regras da casa sem muita discussão. Sempre fui pacífica e achava muito mais fácil viver assim.
Meu pai colaborava com nossas brincadeiras transformando folhas de jornal em barquinhos, chapéus, capuchetas e nós ficávamos no quintal inventando histórias. Quando se organizava melhor, fazia pipas muito coloridas. Eram sempre em forma hexagonal e com um longo rabo de elos de papel de seda formando correntes. Eram únicas. Não eram as mais delicadas, é certo, mas subiam e mesmo de longe mostravam olhos marotos e um sorriso aberto. Impossível saber como levantavam vôo com tantos detalhes, mas iam alto e ficavam lindas no céu.
Ele também nos ensinou a jogar pião. Nos mostrou como enrolar o cordão e soltá-lo no chão. E nosso pião saia girando, girando pelo quintal. E quanto mais jogávamos, mais acrobacias possíveis iam se descortinando para nós. E nosso pião girava, subia em nossas mãos e voltava para o chão, quicava e girava, girava, em movimentos precisos e harmoniosos.
Ele gostava de brincar, mas também com isso nos mantinha sob controle. Tinha muito medo de nos ver longe de casa, sujeitos a todos os perigos das ruas. Sempre foi muito assustado com tudo, e disso todos nós temos um pouco dele.
Encantava-se com crianças, acho que porque sua alma era um pouco assim. E inventava brincadeiras, contava histórias, nos ensinava cantigas. A vida inteira as mesmas histórias, as mesmas piadas, e a gente ria disso e ele ria também, como uma criança grande.
Meu pai fazia dobraduras de papel e com elas pássaros que batiam as asas. Pássaros de todos os tamanhos, coloridos e felizes.

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